Serão verdadeiros apóstolos dos últimos tempos, a quem o Senhor das virtudes dará a palavra e a força para operar maravilhas e arrebatar gloriosos despojos ao inimigo. Dormirão sem ouro nem prata e, o que é mais, sem cuidados, no meio dos outros sacerdotes eclesiásticos e clérigos (Sl 67,14). Terão, no entanto, as asas prateadas da pomba, para irem, com a reta intenção da glória de Deus e da salvação das almas, aonde o Espírito Santo os chamar
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quinta-feira, 10 de outubro de 2013
terça-feira, 8 de outubro de 2013
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Carta do Papa João Paulo II às Famílias Monfortinas sobre a Doutrina do seu Fundador
Aos Religiosos e às
Religiosas das Famílias Monfortinas
Um
texto clássico da espiritualidade mariana
1. Há 160 anos foi publicada uma obra destinada a tornar-se um
clássico da espiritualidade mariana. São Luís Maria Grignion de Montfort compôs
o Tratado sobre a verdadeira devoção à Virgem Santíssima no início de 1700, mas
o manuscrito permaneceu praticamente desconhecido por mais de um século. Quando
finalmente, quase por acaso, em 1842 foi descoberto e em 1843 foi publicado,
teve sucesso imediato, revelando-se uma obra de eficiência extraordinária para
a difusão da "verdadeira devoção" à Virgem Santíssima. Eu próprio,
nos anos da minha juventude, tirei grandes benefícios da leitura deste livro,
no qual "encontrei a resposta às minhas perplexidades" devidas ao
receio que o culto a Maria, "dilatando-se excessivamente, acabasse por
comprometer a supremacia do culto devido a Cristo" (Dom e mistério, pág.
38). Sob a orientação sábia de São Luís Maria compreendi que, quando se vive o
mistério de Maria em Cristo, esse risco não subsiste. O pensamento mariológico
do Santo, de facto, "está radicado no Mistério trinitário e na verdade da
Encarnação do Verbo de Deus (ibid.).
A Igreja, desde as
suas origens, e sobretudo nos momentos mais difíceis, contemplou com particular
intensidade um dos acontecimentos da Paixão de Jesus Cristo, referido a São
João: "Junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua mãe e a irmã de sua
mãe, Maria, a mulher de Clopas, e Maria Madalena. Então, Jesus, ao ver ali de
pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse à mãe: "Mulher, eis
o teu filho!". Depois, disse ao discípulo: "Eis a tua
mãe!". E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua" (Jo 19,
25-27). Ao longo da sua história, o Povo de Deus experimentou esta doação feita
por Jesus crucificado: a doação da sua Mãe. Maria Santíssima é
verdadeiramente a nossa Mãe, que nos acompanha na nossa peregrinação de fé,
esperança e caridade rumo à união cada vez mais intensa com Cristo, único
salvador e mediador da salvação (cf. Const. Lumen gentium, 60 e 62).
Como se sabe, no
meu brasão episcopal, que é a ilustração simbólica do texto evangélico acima
citado, o mote Totus tuus está inspirado na doutrina de São Luís Maria Grignion
de Montfort (cf. Dom e mistério, págs. 38-39: Rosarium Virginis Mariae, 15). Estas duas
palavras exprimem a pertença total a Jesus por meio de Maria: "Tuus
totus ego sum, et omnia mea tua sunt", escreve São Luís Maria; e
traduz: "Eu sou todo teu, e tudo o que é meu te pertence, meu amável
Jesus, por meio de Maria, tua Santa Mãe" (Tratado sobre a verdadeira
devoção, 233). A doutrina deste Santo exerceu uma profunda influência sobre a
devoção mariana de muitos fiéis e sobre a minha própria vida. Trata-se de uma
doutrina vivida, de grande profundidade ascética e mística, expressa com um
estilo vivo e fervoroso, que usa com freqüência imagens e símbolos. A partir do
tempo em que São Luís
Maria viveu, a teologia mariana contudo desenvolveu-se muito, sobretudo
mediante o contributo decisivo do Concílio Vaticano II. Por conseguinte, hoje, deve
ser lida novamente e interpretada à luz do Concílio a doutrina monfortina, que
conserva de igual modo a sua substancial validade.
Com esta Carta,
gostaria de partilhar convosco, Religiosos e Religiosas das Famílias
Monfortinas, a meditação de alguns trechos dos escritos de São Luís Maria, que
nos ajudam nestes momentos difíceis a alimentar a nossa confiança na meditação
da Mãe do Senhor.
Ad
Iesum per Mariam
2. São Luís Maria propõe com singular eficiência a
contemplação amorosa do mistério da Encarnação. A verdadeira
devoção mariana é cristocêntrica. Com efeito, como recordou o Concílio Vaticano
II, "a Igreja, meditando piedosamente na Virgem, e contemplando-a à luz do
Verbo feito homem, penetra mais profundamente, cheia de respeito, no insondável
mistério da Encarnação" (Const. Lumen gentium, 65).
O amor de Deus
mediante a união a Jesus Cristo é a finalidade de qualquer devoção autêntica,
porque como escreve São Luís Maria Cristo "é o nosso único mestre e deve
instruir-nos, o nosso único Senhor do qual devemos depender, a nossa única
Cabeça à qual devemos permanecer unidos, o nosso único modelo com o qual nos
devemos conformar, o nosso único médico que nos deve curar, o nosso único
pastor que nos deve alimentar, o nosso único caminho que nos deve vivificar e o
nosso único tudo, em todas as coisas, que nos deve satisfazer" (Tratado
sobre a verdadeira devoção, 61).
3. A devoção à Santa Virgem é um meio privilegiado
"para encontrar Jesus Cristo, para o amar com ternura e para o
servir com fidelidade" (Tratado sobre a verdadeira devoção, 62). Este
desejo central de "amar com ternura" é imediatamente dilatado numa
fervorosa oração a Jesus, pedindo a graça de participar na indizível comunhão
de amor que existe entre Ele e a sua Mãe. A relatividade total de Maria a
Cristo, e, n'Ele, à Santíssima Trindade, é antes de mais experimentada na
observação: "Todas as vezes que pensas em Maria, Maria louva e honra
contigo a Deus. Maria é toda relativa a Deus, e eu chamá-la-ia muito bem a
relação de Deus, que existe unicamente em relação a Deus, o eco de Deus, que
não diz e não repete a não ser Deus. Se dizes Maria, ela repete Deus. Santa
Isabel louvou Maria e proclamou-a bem-aventurada porque acreditou. Maria o eco
fiel de Deus entoou: Magnificat anima mea Dominum: a minha alma
louva ao Senhor. Aquilo que Maria fez naquela ocasião, repete-o todos os dias.
Quando é louvada, amada, honrada ou recebe algo, Deus é louvado, Deus é amado,
Deus recebe pelas mãos de Maria e em Maria" (Tratado sobre a verdadeira
devoção, 225).
É ainda na oração à
Mãe do Senhor que São Luís Maria exprime a dimensão trinitária da sua relação
com Deus: "Saúdo-te Maria, Filha predileta do Pai eterno! Saúdo-te Maria,
Mãe admirável do Filho! Saúdo-te Maria, Esposa fidelíssima do Espírito
Santo!" (Segredo de Maria, 68). Esta tradicional expressão, já usada por
São Francisco de Assis (cf. Fontes Franciscanas, 281), mesmo contendo níveis
heterogéneos de analogia, é sem dúvida eficaz para exprimir de certa
forma a peculiar participação de Nossa Senhora na vida da Santíssima
Trindade.
4. São Luís Maria contempla todos os mistérios da
Encarnação
que se realizou no momento da Anunciação. Assim, no Tratado sobre a verdadeira
devoção, Maria é apresentada como "o verdadeiro paraíso terrestre do Novo
Adão", a "terra virgem e imaculada" pela qual Ele foi plasmado
(n. 261). Ela é também a Nova Eva, associada ao Novo Adão na obediência que
repara a desobediência original do homem e da mulher (cf. ibid., 53; Santo Ireneu
Adversus haereses, III 21, 10-22, 4). Por meio desta obediência, o Filho de
Deus entra no mundo. A mesma Cruz já está misteriosamente presente no momento
da Encarnação, no momento em
que Jesus é concebido no seio de Maria. Com efeito, o ecce venio,
da Carta aos Hebreus (cf. 10, 5-9) é o ato primordial
da obediência do Filho ao Pai, aceitação do seu Sacrifício redentor
"quando entra no mundo".
"Toda a nossa
perfeição escreve São Luís Maria Grignion de Montfort consiste em ser
conformes, unidos e consagrados a Jesus Cristo. Por isso, a mais perfeita de
todas as devoções é incontestavelmente a que nos conforma, une e consagra mais
perfeitamente a Jesus Cristo. Mas, sendo Maria a criatura mais conforme a Jesus
Cristo, tem-se como resultado que, entre todas as devoções, a que consagra e
conforma mais uma alma a nosso Senhor é a devoção a Maria, sua Mãe santa, e que
quanto mais uma alma estiver consagrada a Maria, tanto mais estará consagrada a
Jesus Cristo" (Tratado sobre a verdadeira devoção, 120). Dirigindo-se a Jesus,
São Luís Maria exprime como é maravilhosa a união entre o Filho e a Mãe:
"Ela é de tal forma transformada em ti pela graça, que não vive mais, não
existe mais: és unicamente Tu, meu Jesus, que vives e reinas nela... Ah!
se conhecêssemos a glória e o amor que tu recebes nesta maravilhosa criatura...
Ela está tão intimamente unida... De fato, ela ama-te mais ardentemente e
glorifica-te mais perfeitamente do que todas as outras criaturas juntas"
(Ibid., 63).
Maria,
membro eminente do Corpo místico e Mãe da Igreja
5. Segundo as palavras do Concílio Vaticano II, Maria "é saudada
como membro eminente e inteiramente singular da Igreja, seu tipo e exemplar
perfeitíssimo na fé e na caridade" (Const. Lumen gentium, 53). A Mãe do
Redentor é também redimida por ele, de maneira única na sua Imaculada
Conceição, e precedeu-nos naquela escuta crente e cheia de amor da Palavra de
Deus que nos torna bem-aventurados (cf. ibid., 58). Também por isso, Maria
"está intimamente unida à Igreja: a Mãe de Deus é a figura (typus)
da Igreja, como já ensinava Santo Ambrósio, isto é, na ordem da fé, da caridade
e da união perfeita com Cristo. De fato, no mistério da Igreja, que é também
chamada justamente mãe e virgem, a Bem-Aventurada Virgem Maria é a primeira,
dando de modo eminente e singular o exemplo de virgem e de mãe" (Ibid.,
63). O próprio Concílio contempla Maria como Mãe dos membros de Cristo (cf.
ibid., 53; 62), e assim Paulo VI a proclamou Mãe da Igreja. A doutrina do Corpo
místico, que exprime de maneira mais forte a união de Cristo com a Igreja, é
também o fundamento bíblico desta afirmação. "A cabeça e os membros
pertencem à mesma mãe" (Tratado sobre a verdadeira devoção, 32),
recorda-nos São Luís Maria. Neste sentido, dizemos que, por obra do Espírito
Santo, os membros estão unidos e conformados com Cristo Cabeça, Filho do Pai e
de Maria, de tal modo que "qualquer verdadeiro filho da Igreja deve ter
Deus como Pai e Maria como Mãe" (Segredo de Maria, 11).
Em Cristo, Filho unigênito,
somos realmente filhos do Pai e, ao mesmo tempo, filhos de Maria e da Igreja.
Com o nascimento virginal de Jesus, de certa forma é toda a humanidade que
renasce. À Mãe do Senhor "podem ser aplicadas, de maneira mais verdadeira
de quanto São Paulo as aplica a si mesmo, estas palavras: "Meus
filhos, por quem sinto outra vez dores de parto, até que Cristo se forme entre
vós" (Gl 4, 19). Dou à luz todos os dias os filhos de Deus, enquanto não
estiver formado neles Jesus Cristo, meu Filho, na plenitude da sua idade"
(Tratado sobre a verdadeira devoção, 33). Esta doutrina encontra a sua
expressão mais bela na oração: "Oh! Espírito Santo, concede-me uma
grande devoção e uma grande inclinação para Maria, um apoio sólido sobre o seu
seio materno e um recurso assíduo à sua misericórdia, para que, nela, tu possas
formar Jesus dentro de mim" (Segredo de Maria, 67).
Uma das expressões
mais nobres da espiritualidade de São Luís Maria Grignion de Montfort refere-se
à identificação do fiel com Maria no seu amor por Jesus, no seu serviço a Jesus.
Meditando o
conhecido texto de Santo Ambrósio: A alma de Maria esteja em cada um para
glorificar o Senhor, o espírito de Maria esteja em cada um para exultar em Deus
(Expos. in Luc., 12, 26: PL 15, 1561), ele escreve: "Como é
feliz uma alma quando... está totalmente arrebatada e guiada pelo espírito de
Maria, que é um espírito doce e forte, zeloso e prudente, humilde e corajoso,
puro e fecundo" (Tratado sobre a verdadeira devoção, 258). A identificação
mística com Maria está totalmente dirigida para Jesus, como se exprime na
oração: "Por fim, minha querida e amadíssima Mãe, se for possível,
faz com que eu não tenha outro espírito a não ser o teu para conhecer Jesus
Cristo e os seus desejos divinos; que não tenha outra alma a não ser a tua para
louvar e glorificar o Senhor; que não tenha outro coração a não ser o teu para
amar Deus com caridade pura e ardente como tu" (Segredo de Maria, 68).
A
santidade perfeição da caridade
6. A Constituição Lumen gentium recita ainda: "Mas,
ao passo que, na Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já aquela perfeição sem
mancha nem ruga que lhe é própria (cf. Ef 5, 27), os fiéis ainda têm de
trabalhar por vencer o pecado e crescer na santidade; e por isso levantam os
olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a família dos
eleitos" (n. 65). A santidade é perfeição da caridade, daquele amor a Deus
e ao próximo que é o objecto do maior mandamento de Jesus (cf. Mt 22, 38), e é
também o maior dom do Espírito Santo (cf. 1 Cor 13, 13). Assim, nos seus
Cânticos, São Luís Maria apresenta sucessivamente aos fiéis a excelência da
caridade (Cântico 5), a luz da fé (Cântico 6) e a firmeza na esperança (Cântico
7).
Na espiritualidade
monfortina, o dinamismo da caridade é expresso especialmente através do símbolo
da escravidão do amor a Jesus a exemplo e com a ajuda materna de Maria.
Trata-se da comunhão plena na kenosis de Cristo; comunhão vivida com Maria,
intimamente presente nos mistérios da vida do Filho. "Não há nada entre os
cristãos que faça pertencer de maneira mais absoluta a Jesus Cristo e à sua
Santa Mãe como a escravidão da vontade, segundo o exemplo do próprio Jesus
Cristo, que assumiu as condição de escravo por amor a nós formam servi
accipiens e da Santa Virgem, que se considerou serva e escrava do Senhor. O
apóstolo honra-se do título de servus Christi. Várias vezes, na Sagrada
Escritura, os cristãos são chamados servi Christi" (Tratado sobre a
verdadeira devoção, 72). De fato, o Filho de Deus, que veio ao mundo em
obediência ao Pai na Encarnação (cf. Hb 10, 7), humilhou-se depois fazendo-se
obediente até à morte, e morte de Cruz (cf. Fl 2, 7-8). Maria correspondeu à
vontade de Deus com o dom total de si, corpo e alma, para sempre, desde a
Anunciação até à Cruz, e da Cruz até à Assunção.
Certamente, entre a
obediência de Cristo e a obediência de Maria existe uma assimetria determinada
pela diferença ontológica entre a Pessoa divina do Filho e a pessoa humana de
Maria, do que deriva também a exclusividade da eficiência salvífica fontal da
obediência de Cristo, da qual a sua própria Mãe recebeu a graça para poder
obedecer de modo total a Deus e assim colaborar com a missão do seu Filho.
Por conseguinte, a
escravidão de amor deve ser interpretada à luz do admirável intercâmbio entre Deus
e a humanidade no mistério do Verbo encarnado. É um verdadeiro intercâmbio de
amor entre Deus e a sua criatura na reciprocidade da doação total de si.
"O espírito desta devoção... é tornar a alma interiormente dependente e
escrava da Santíssima Virgem e de Jesus por meio dela" (Segredo de Maria,
44). Paradoxalmente, este "vínculo de caridade", esta
"escravidão de amor" torna o homem plenamente livre, com a verdadeira
liberdade dos filhos de Deus (cf. Tratado sobre a verdadeira devoção, 169).
Trata-se de se entregar totalmente a Jesus, respondendo ao Amor com que Ele nos
amou primeiro. Qualquer pessoa que viver neste amor pode dizer como São
Paulo: "Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gl
2, 20).
A
"peregrinação da fé"
7. Na Novo millennio ineunte escrevi que "se alcança
Jesus unicamente pelo caminho da fé" (n. 19). Foi precisamente este o caminho
seguido por Maria durante toda a sua vida terrena, e é o caminho da Igreja
peregrina até ao fim dos tempos. O Concílio Vaticano II insistiu muito sobre a
fé de Maria, misteriosamente partilhada pela Igreja, pondo em realce o
itinerário de Nossa Senhora desde o momento da Anunciação até ao momento da
Paixão redentora (cf. Const. Lumen gentium, 57 e 67; Carta enc. Redemptoris
Mater, 25-27).
Nos escritos de São
Luís Maria encontramos a mesma ênfase sobre a fé vivida pela Mãe de Jesus num
caminho que vai da Encarnação até à Cruz, uma fé na qual Maria é modelo e tipo
da Igreja. São Luís Maria expressa-o com riqueza de imagens quando expõe ao seu
leitor os "efeitos maravilhosos" da perfeita devoção mariana:
"Portanto, quanto mais ganhares a benevolência desta venerável Princesa e
Virgem fiel, tanto mais o teu comportamento de vida estará inspirado pela fé
pura. Uma fé pura, portanto não te preocuparás minimamente de quanto é sensível
e extraordinária. Uma fé viva e animada pela caridade, que te fará agir
unicamente com motivo do amor puro. Uma fé firme e inabalável como uma rocha,
que te fará permanecer firme e constante no meio de furacões e de tempestades.
Uma fé laboriosa e penetrante que, como misteriosa chave polivalente, te fará
entrar em todos os mistérios de Jesus Cristo, nos fins últimos do homem e no
coração do próprio Deus. Uma fé corajosa, que te fará empreender e concretizar
sem hesitações coisas grandes para Deus e para a salvação das almas. Por fim,
uma fé que será a tua chama ardente, a tua vida divina, o teu tesouro escondido
da Sabedoria divina e a tua arma onipotente, com a qual esclarecerás todos os
que são tíbios e têm necessidade do ouro ardente da caridade, darás de novo vida
aos que morreram por causa do pecado, comoverás e perturbarás com as tuas
palavras suaves e fortes os corações de pedra e os cedros do Líbano e, por fim,
resistirás ao demônio e a todos os inimigos da salvação" (Tratado sobre a
verdadeira devoção, 214).
Como São João da
Cruz, São Luís Maria insiste principalmente sobre a pureza da fé e sobre a sua
essencial e muitas vezes dolorosa obscuridade (cf. Segredo de Maria, 51, 52). É
a fé contemplativa que, renunciando às coisas sensíveis ou extraordinárias, penetra
nas profundezas misteriosas de Cristo. Assim, na sua oração, São Luís Maria
dirige-se à Mãe do Senhor dizendo: "Não te peço visões ou
revelações, nem gostos ou delícias, mesmo só espirituais... Aqui na terra, eu
quero que me pertença unicamente o que tu quiseres, isto é: crer com fé
pura sem nada provar ou ver" (ibid., 69). A Cruz é o momento culminante da
fé que Maria tem, como escrevi na Encíclica Redemptoris
Mater: "Maria participa mediante a fé no mistério
desconcertante desse despojamento... Isso constitui, talvez, a mais profunda
"kenosis" da fé na história da humanidade" (n. 18).
Sinal
de esperança certa
8. O Espírito Santo convida Maria a
"reproduzir-se" nos seus eleitos, alargando até eles as raízes da sua
"fé invencível", mas também da sua "firme esperança" (cf.
Tratado sobre a verdadeira devoção, 34). O Concílio Vaticano II recordou quanto
segue: "A Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é
imagem e início da Igreja que se há-de consumar no século futuro, assim também,
na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de
Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor (Const. Lumen gentium,
68). Esta dimensão escatológica é contemplada por São Luís Maria sobretudo
quando fala dos "santos dos últimos tempos", formados pela Virgem
Santa para levar à Igreja a vitória de Cristo sobre as forças do mal (cf.
Tratado sobre a verdadeira devoção, 49-59). Não se trata de modo algum de uma
forma de "milenarismo", mas do sentido profundo da índole
escatológica da Igreja, ligada à unicidade e universalidade salvífica de Jesus
Cristo. A Igreja espera a vinda gloriosa de Jesus no fim dos tempos. Como Maria
e com Maria, os santos são na Igreja e para a Igreja, para fazer resplandecer a
sua santidade, para alargar até aos confins do mundo e até ao fim dos tempos a obra
de Cristo, único Salvador.
Na antífona Salve
Regina, a Igreja chama a Mãe de Deus "nossa Esperança". A mesma expressão
é usada por São Luís Maria a partir de um texto de São João Damasceno, que
aplica a Maria o símbolo bíblico da âncora (cf. Hom. 1ª in Dorm. B.V.M.:
PG 96, 719): "Nós unimos as almas a ti, nossa esperança, como a uma
âncora firme. A ela afeiçoaram-se em maior medida os santos que se salvaram e
fizeram afeiçoar os outros, para que perseverassem na virtude. Portanto,
bem-aventurados, infinitamente bem-aventurados os cristãos que hoje se mantêm
unidos a ela fiel e totalmente como a uma âncora firme" (Tratado sobre a
verdadeira devoção, 175). Através da devoção a Maria, o próprio Jesus
"alarga o coração com uma santa
confiança em Deus, fazendo com que ele seja visto como
Pai e inspirando um amor terno e filial" (Ibid., 169).
Juntamente com a Virgem
Santa, com o mesmo coração de mãe, a Igreja reza, espera e intercede pela
salvação de todos os homens. São as últimas palavras da constituição Lumen
gentium: "Dirijam todos os fiéis instantes súplicas à Mãe de Deus e mãe
dos homens, para que ela, que assistiu com as suas orações aos começos da
Igreja, também agora, exaltada sobre todos os anjos e bem-aventurados,
interceda, junto de seu Filho, na comunhão de todos os santos, até que todos os
povos, tanto os que ostentam o nome cristão, como os que ainda ignoram o
Salvador, se reúnam felizmente, em paz e harmonia, no único Povo de Deus, para
glória da santíssima e indivisa Trindade" (n. 69).
Fazendo de novo
meus estes votos, que juntamente com os outros Padres Conciliares expressei há
quase quarenta anos, envio a toda a Família monfortina uma especial Bênção
apostólica.
Vaticano, 8 de
Dezembro de 2003, Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem
Maria.
Mensagem do Papa João Paulo II à Família Monfortina por ocasião do 50° Aniversário da Canonização do Fundador
MENSAGEM
DO PAPA JOÃO PAULO II À FAMÍLIA MONFORTINA POR OCASIÃO DO 50° ANIVERSÁRIO DA
CANONIZAÇÃO DO FUNDADOR
Ao Reverendo Padre
WILLIAM CONSIDINE
Superior-Geral da Companhia de Maria
Superior-Geral da Companhia de Maria
Ao Reverendo Irmão
JEAN FRIANT
Superior-Geral dos Irmãos da Instrução cristã de São Gabriel
Superior-Geral dos Irmãos da Instrução cristã de São Gabriel
À Reverenda Madre
BÁRBARA O’DEA
Superiora-Geral das Filhas da Sabedoria
Superiora-Geral das Filhas da Sabedoria
1. A família
monfortina vai abrir um ano consagrado à celebração do qüinquagésimo
aniversário da canonização de São Luís-Maria Grignion de Montfort, que teve
lugar em Roma a 20 de Julho de 1947. Com a Companhia de Maria, os Irmãos de São
Gabriel e as Filhas da Sabedoria, sinto-me feliz por dar graças ao Senhor pela
grande irradiação deste santo missionário, cujo apostolado foi nutrido por uma
profunda vida de oração, uma inabalável fé em Deus Trindade e uma
intensa devoção à Santíssima Virgem Maria, Mãe do Redentor.
Pobre entre os
pobres, profundamente integrado na Igreja apesar das incompreensões que
encontrou, São Luís-Maria tomou por lema estas simples palavras: «Só Deus». Ele
cantava: «Só Deus é a minha ternura, só Deus é o meu sustentáculo, só Deus é
todo o meu bem, a minha vida e a minha riqueza» (Cântico 55, 11). Nele, o amor
por Deus era total. Era com Deus e por Deus que ia ao encontro dos outros e
percorria os caminhos da missão. Continuamente consciente da presença de Jesus
e de Maria, era em todo o seu ser uma testemunha da caridade teologal, que ele
desejava fazer partilhar. A sua acção e a sua palavra não tinham por finalidade
senão chamar à conversão e fazer viver de Deus. Os seus escritos são de igual
modo testemunhos e louvores ao Verbo encarnado, e também a Maria, «obra-prima
do Altíssimo, milagre da Sabedoria eterna» (cf. O amor da Sabedoria eterna, n.
106).
2. A mensagem que
nos deixou o Padre de Montfort baseia-se, de modo inseparável, nas meditações
da mística e na pedagogia pastoral do apóstolo. A partir das grandes correntes
teológicas então difundidas, ele exprimia a sua fé pessoal em função da cultura
do seu tempo. Alternadamente poético e familiar à linguagem dos seus
interlocutores, o seu estilo pode surpreender os nossos contemporâneos, mas
isto não os deve impedir de se inspirarem nas suas intuições fecundas. Eis por
que é precioso o trabalho realizado pela família monfortina hoje, pois ajuda os
fiéis a perceberem a coerência duma visão teológica e espiritual, sempre
orientada para uma intensa vida de fé e de caridade.
Antes de tudo, São
Luís-Maria impressiona pela sua espiritualidade teocêntrica. Ele tem «o gosto
de Deus e da Sua verdade» (O amor da Sabedoria eterna, n. 13) e sabe comunicar
a sua fé em Deus, do Qual exprime ao mesmo tempo a majestade e a doçura, pois
Deus é fonte transbordante de amor. O Padre de Montfort não hesita em abrir aos
mais humildes o mistério da Trindade, que inspira a sua oração e a sua reflexão
sobre a Encarnação redentora, obra das Pessoas divinas. Quer fazer compreender
a atualidade da presença divina no tempo da Igreja; escreve sobretudo: «A
conduta que as três Pessoas da Santíssima Trindade tiveram na Encarnação e a
primeira vinda de Jesus Cristo, Elas conservam-na todos os dias, duma maneira
invisível, na santa Igreja, e a conservá-la-ão até à consumação dos séculos, na
última vinda de Jesus Cristo » (Tratado da verdadeira devoção, n. 22). Na nossa
época, o seu testemunho pode ajudar a fundar com vigor a existência cristã
sobre a fé no Deus vivo, sobre uma relação calorosa com Ele e sobre uma sólida
experiência eclesial, graças ao Espírito do Pai e do Filho, cujo reino continua
no presente (cf. Oração abrasada, n. 16).
A contemplação das
grandezas do mistério de Jesus caminha a par e passo com a da Cruz, da qual
Montfort fazia o maior sinal das suas missões. Muitas vezes provado de maneira
árdua, conheceu pessoalmente o seu peso, como o testemunha uma carta à sua
irmã, a quem pede que reze por ele «a fim de obter de Jesus crucificado a força
para carregar as cruzes mais rudes e mais pesadas » (Carta 24). Todos os dias,
ele pratica a imitação de Cristo naquilo a que chama o amor ardente da Cruz, na
qual vê «o triunfo da Sabedoria eterna» (O amor da Sabedoria eterna, cap. XIV).
Mediante o sacrifício do Calvário, o Filho de Deus, ao fazer-Se pequenino e
humilde até ao extremo, assume a condição dos Seus irmãos submetidos ao
sofrimento e à morte. Cristo manifesta nisto, de maneira eloquente, o Seu amor
infinito e abre à humanidade a via da vida nova. Luís-Maria, que seguia o seu
Senhor e fazia «a sua morada na Cruz» (ibid., n. 180), dá um testemunho de
santidade, que os seus herdeiros na família monfortina devem dar, por sua vez,
a fim de mostrar a este mundo a verdade do amor salvífico.
4. Para conhecer a
Sabedoria eterna, incriada e encarnada, Grignion de Montfort convidou
constantemente a confiar na Santíssima Virgem Maria, tão inseparável de Jesus que
«antes se separaria a luz do sol» (Verdadeira devoção, n. 63). Ele continua a
ser um incomparável cantor e discípulo da Mãe do Salvador, na qual celebra
aquela que conduz de maneira segura a Cristo: «Se estabelecemos a sólida
devoção da Santíssima Virgem, é só para estabelecer de modo mais perfeito a de
Jesus Cristo e para obter um meio fácil e seguro para encontrar Jesus Cristo»
(ibid., n. 62). Pois Maria é a criatura escolhida pelo Pai e totalmente
consagrada à sua missão materna. Tendo entrado em união com o Verbo mediante o
seu livre consentimento, encontra-se associada de maneira privilegiada à
Encarnação e à Redenção, de Nazaré até ao Gólgota e ao Cenáculo, absolutamente
fiel à presença do Espírito Santo. Ela «encontrou graça diante de Deus para todo
o mundo em geral e para cada um em particular » (ibid., n. 164).
Deste modo
Luís-Maria chama a consagrar- se totalmente a Maria, para acolher a sua
presença no mais íntimo da alma. «Maria torna-se tudo para esta alma junto de
Jesus Cristo: esclarece o seu espírito pela sua fé pura. Aprofunda o seu
coração mediante a sua humildade, amplia-a e abraça-a pela sua caridade,
purifica-a com a sua pureza, enobrece e engradece-a pela sua maternidade» (O
segredo de Maria, n. 57). O recurso a Maria leva sempre a dar a Jesus um lugar
mais importante na vida; é significativo, por exemplo, que Montfort convida o
fiel a voltar-se para Maria antes da comunhão: «Suplicareis a esta boa Mãe que
vos prepare o próprio coração, a fim de receber nele o seu Filho com as suas mesmas
disposições» (Verdadeira devoção, n. 266).
No nosso tempo, em
que a devoção mariana é viva mas nem sempre suficientemente esclarecida, seria
bom reencontrar o fervor e o justo estilo do Padre de Montfort, para atribuir à
Virgem o seu verdadeiro lugar e aprender a orar: «Ó Mãe de misericórdia, dai-me
a graça de obter a verdadeira sabedoria de Deus e de me colocar por isso no
número daqueles que amais, ensinais e conduzis [...] Ó Virgem fiel, tornai-me
em todas as coisas um perfeito discípulo, imitador e escravo da Sabedoria
encarnada, Jesus Cristo, vosso Filho» (O amor da Sabedoria eterna, n. 227). Sem
dúvida, algumas transposições de linguagem impõem-se, mas a família monfortina
deve continuar o seu apostolado mariano no espírito do seu fundador, a fim de
ajudar os fiéis a manterem uma relação viva e íntima com aquela que o Concílio
Vaticano II honrou como um membro especial e absolutamente único da Igreja,
recordando que, «a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé,
da caridade e da perfeita união com Cristo, como ensinava Santo Ambrósio»
(Lumen gentium, 63).
5. O ano monfortino
chama a atenção para os principais eixos da espiritualidade de São Luís-Maria,
mas de igual modo é oportuno recordar que este último foi um missionário
extraordinariamente irradiante. Depois da sua ordenação, ele escrevia: «Sinto
um grande desejo de fazer amar a nosso Senhor e à sua Santa Mãe, de ir, duma
maneira pobre e simples, ensinar o catecismo aos pobres». Ele viveu em plena
fidelidade a esta vocação, a qual será compartilhada com os sacerdotes que a
ele se unirão. Nas Regras dos Sacerdotes missionários da Companhia de Maria,
ele convida o missionário apostólico a pregar com simplicidade e verdade, sem
temor e com caridade, «e com santidade, não tendo em vista senão Deus, sem
interesse a não ser o da Sua glória, e praticando em primeiro lugar o que
ensina aos outros» (n. 62).
No momento em que
se impõe na maior parte das regiões do mundo a necessidade duma nova
evangelização, o zelo do Padre de Montfort pela Palavra de Deus, a sua
solicitude pelos mais pobres, a sua aptidão para se fazer ouvir pelos mais
simples e para estimular a piedade, as suas qualidades de organizador, as suas
iniciativas para prolongar o fervor pela fundação de movimentos espirituais ou
para envolver os leigos no serviço dos pobres, tudo isto, com as adaptações
queridas, pode inspirar os apóstolos de hoje. Uma das constantes das numerosas
missões pregadas pelo próprio São Luís-Maria merece ser ressaltada hoje: ele
pede a renovação das promessas do batismo, fazendo desta iniciativa uma
introdução à absolvição e à comunhão. Isto assume uma surpreendente atualidade,
neste primeiro ano preparatório para o Grande Jubileu do Ano 2000, precisamente
consagrado a Cristo e ao sacramento do Batismo. Montfort tinha bem compreendido
a importância deste sacramento, que consagra a Deus e constitui a comunidade, e
também a necessidade de descobrir de novo, numa firme adesão de fé, o alcance
dos compromissos do batismo.
Como andarilho do
Evangelho, inflamado pelo amor de Jesus e da Sua santa Mãe, ele soube comover
as multidões e fazer com que amassem o Cristo Redentor, contemplado na Cruz.
Oxalá ele sustente os esforços dos evangelizadores do nosso tempo!
6. Caros Irmãos e
Irmãs da grande família monfortina, neste ano de oração e de reflexão sobre a
preciosa herança de São Luís-Maria, encorajo-vos a fazer frutificar este
tesouro que não deve ficar escondido. O ensinamento do vosso fundador e mestre
une-se aos temas que a Igreja inteira medita ao aproximar-se o Grande Jubileu;
ele indica o caminho da verdadeira Sabedoria, que é preciso abrir a muitos
jovens que procuram o sentido da própria vida e uma arte de viver.
Aprecio as vossas
iniciativas para difundir a espiritualidade monfortina, nas formas que convêm
às diferentes culturas, graças à colaboração dos membros dos vossos três
Institutos. Sede também um apoio e uma referência para os movimentos que se
inspiram na mensagem de Grignion de Montfort, a fim de dar à devoção mariana
uma autenticidade cada vez mais segura. Renovai a vossa presença junto dos
pobres, a vossa inserção na pastoral eclesial, a vossa disponibilidade para a
evangelização.
Ao confiar a vossa
vida religiosa e o vosso apostolado à intercessão de São Luís-Maria Grignion de
Montfort e da Beata Maria Luísa Trichet, concedo de todo o coração a Bênção
Apostólica a vós, assim como a todos os que vos estão próximos e a quem servis.
- Vaticano, 21 de Junho de 1997. - JOÃO PAULO II
Carta aos Amigos da Cruz. Obra de São Luís Maria Grignion de Montfort
CARTA AOS AMIGOS DA CRUZ
Por
São Luís Maria Grignion de Montfort
1. Visto que a cruz divina me guarda em retiro e me previne
de lhes falar pessoalmente, eu não posso e nem mesmo desejo expressar sobre os
sentimentos de meu coração na excelência e nas práticas de sua união à cruz
sagrada de Cristo. De qualquer forma, nesse último dia de meu isolamento, eu
deixo os deleites da vida interior para traçar sobre esse papel uns breves
pontos da cruz com os quais penetro em seus corações generosos. Quisera Deus
que eu pudesse usar o sangue de minhas veias em preferência à tinta de minha
caneta! Aliás, mesmo que o sangue fosse requerido, o meu não seria bom o
suficiente. Eu rezo com a intenção que o Espírito do Deus Vivo possa ser a
vida, força e a mão orientadora dessa carta; que sua unção possa ser minha
tinta, a cruz sagrada minha caneta, e seu coração meu livro.
I. EXCELÊNCIA DA
ASSOCIAÇÃO
2. Amigos da Cruz, vocês são como cruzados unidos na batalha
contra o mundo, não como religiosos que fogem do mundo a fim de que não sejam
submetidos, mas como bravos e valentes guerreiros no campo de batalha, que se
recusam a se retirar ou mesmo recuar uma só polegada. Sejam bravos e lutem
corajosamente. Vocês devem se juntar em uma união íntima de mente e coração,
que é mais forte e bem mais formidável contra o mundo e as força do inferno
daquele que é o exército de uma grande nação inimiga. Malditos espíritos estão
unidos para destruí-los; vocês devem ficar unidos para esmagá-los. Os avarentos
estão unidos para fazer dinheiro e acumular ouro e prata; vocês devem combinar
seus esforços para adquirir tesouros eternos escondidos na Cruz. Os que
procuram o prazer unem-se para se regozijar, vocês devem ficar unidos para
sofrer.
A. Grandeza de
Seu Título
3. Vocês se auto-denominam "Amigos
da Cruz". Que título glorioso! Eu devo confessar que eu fico encantado e
cativado com isso. É mais radiante que o sol, mais alto que os céus, mais
magnífico e resplandecente que todos os títulos que dão aos reis e imperadores.
É o glorioso título de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. É o
genuíno título de um Cristão.
4. Mas, se eu fico cativado pelo
seu esplendor, eu não fico nem um pouco assustado pela sua responsabilidade,
porque é um título que abraça dificuldade e obrigações inescapáveis, somadas
nas palavras do Espírito Santo, "Uma raça escolhida, um sacerdócio real,
um povo separado." Um Amigo da Cruz é alguém escolhido por Deus, dentre
milhares que vivem somente de acordo com sua razão e juízo, para ser completamente
divino, erguido sobre a simples razão e completamente oposto às coisas
materiais, vivendo na luz da pura fé, e inspirado por um amor profundo à Cruz.
Um Amigo da Cruz é um rei todo
poderoso, um campeão que triunfa sobre o demônio, o mundo e a carne em sua
triplicada concupiscência. Ele destrói o orgulho de Satã pelo seu amor às
humilhações; ele submete a ambição do mundo pelo seu amor à pobreza; ele
refreia a sensualidade da carne pelo seu amor ao sofrimento. Um Amigo da Cruz é
alguém que é santo e separado das coisas que são visíveis porque seu coração
está erguido sobre tudo que há de transitório e perecível, e sua terra natal
está no céu, ele viaja por todo seu mundo como um visitante e um peregrino, e,
distante de colocar nisso seu coração, ele observa com indiferença e deixa tudo
isso debaixo de seus pés com desprezo.
Um Amigo da Cruz é um prêmio
glorioso ganho pelo crucificado Cristo no Calvário, em união com sua santa Mãe.
É um Benoni ou Benjamin, um filho da aflição e da mão direita, concebido no
coração sofrido de Jesus, vindo ao mundo através de seu lado trespassado, e
batizado em seu sangue. Verdadeiro pela sua origem, sua vida abraça a cruz, e
morre para o mundo, a carne, e o pecado, de forma que vive cá embaixo uma vida
oculta em Deus por Jesus Cristo. Em curtas palavras, um perfeito Amigo da Cruz
é uma verdadeira árvore frutífera de Cristo, ou particularmente um outro
Cristo, de forma que ele possa verdadeiramente dizer, "Eu vivo agora não
com minha própria vida mas com a vida de Cristo que vive em mim."
5. Meus queridos Amigos da Cruz,
vocês vivem de acordo com o nobre título que vocês sustentam? Ou, pelo menos,
vocês têm um desejo real e uma determinação sincera para fazer isso com a ajuda
da graça de Deus, sob o abrigo da Cruz de Cristo e de Nossa Senhora das
Aflições? Vocês estão empregando os meios necessários para isso? Vocês estão
caminhando junto com o verdadeiro modo de vida, que é o estreito e pedregoso
caminho do Calvário? Ou vocês estão, talvez sem perceber, na larga estrada do
mundo que conduz á perdição? Vocês estão cientes que há uma estrada que é em
todos os aspectos uma estrada correta e segura, mas que realmente conduz à
morte eterna?
6. Vocês distinguem claramente a
voz de Deus e sua graça daquela do mundo e da natureza humana? Vocês escutam a
voz de Deus, nosso Pai do Céu, pronunciando sua maldição triplicada a todo
aquele que segue os desejos do mundo: "Desgraça, desgraça, desgraça a todo
povo da Terra;" o Pai que estica seus braços a vocês com apelo amoroso, "Revele-se,
meu povo escolhido," queridos amigos da Cruz de meu Filho, fora do
mundanismo, que foi por mim mesmo amaldiçoado, rejeitado pelo meu Filho, e
condenado por meu Espírito Santo? Cuide-se de seguir seus conselhos, de sentar
em sua companhia, ou mesmo de hesitar na estrada que eles tomam. Apresse-se em
sair da infame Babilônia. Escutem somente a voz de meu Filho querido e sigam
somente a Ele, que eu lhes ofereci para ser seu caminho, sua verdade, sua vida,
e seu modelo. (Ipsum audite.) "Escutem a Ele." Você escuta a voz de
Jesus que, sobrecarregado com sua Cruz, gritou por vocês, "Vinde! Aquele
que me segue não estará andando nas trevas; Coragem! Eu venci o mundo.."?
B. As Duas Companhias
7. Meus queridos irmãos e irmãs,
há duas categorias que aparecem diante de vocês a cada dia: os seguidores de
Cristo e os seguidores do mundo. A companhia do nosso querido Salvador está à
direita, escalando uma estrada apertada, tornou tudo mais estreito por causa da
imoralidade do mundo. Nosso Mestre conduz o caminho, de pés expostos, coroado
com espinhos, coberto com sangue, e onerado com uma pesada cruz. Aqueles que o
seguem, embora mais corajosos, são somente uns poucos do mundo, ou porque ao
povo falta coragem para segui-lo em sua pobreza, sofrimentos, humilhações e outras
cruzes que seus servos devem carregar todos os dias de suas vidas.
8. Na mão esquerda está a
companhia do mundo ou do demônio. Essa é ainda mais numerosa, mais imponente e
mais conhecida, pelo menos na aparência. A maioria do povo moderno corre para
se juntar a ela, todos juntos abarrotados, embora a estrada seja larga e esteja
continuamente se tornando mais larga como nunca se viu pela multidão que se
derrama como uma torrente. Está espalhada com flores, margeada com todo tipo de
distrações e atrações, e pavimentada com ouro e prata.
9. À direta, os poucos grupos que
seguem a Jesus falam a respeito da aflição e penitência, rezam e têm
indiferença pelas coisas mundanas. Eles encorajam continuamente uns aos outros
dizendo, "Agora é hora de sofrer e ficar de luto, viver no retiro e na
pobreza, humilhar-se e mortificar-se; por que aqueles que não possuem o
espírito de Cristo, que é o espírito da cruz, não pertencem a Ele. Aqueles que
pertencem a Cristo crucificaram todas suas paixões e desejos de auto-satisfação.
Nós devemos ser verdadeiras imagens de Cristo ou estaremos eternamente
perdidos."
"Tenha confiança," eles
dizem uns aos outros. Se Deus está do nosso lado, conosco e diante de nós, quem
pode ficar contra nós? Aquele que está conosco é mais forte do que aquele que
está no mundo. O servo não é maior do que seu mestre. Essa nossa leve e
momentânea tribulação nos trará uma imensa e eterna glória. O número daqueles
que serão salvos não é tão grande quanto algumas pessoas imaginam. Somente os
valentes e os esforçados arrebatam o céu pela força. Ninguém será coroado sem
que haja combatido legitimamente segundo o Evangelho e não de acordo com as
máximas do mundo. Vamos lutar com toda nossa força, vamos correr com toda
velocidade, que nós podemos alcançar nosso objetivo e obter a coroa. Tais são
alguns dos conselhos celestiais com os quais os Amigos da Cruz inspiram uns aos
outros.
10. Aqueles que seguem o mundo,
pelo contrário, encorajam-se para continuar em seus maus caminhos sem
escrúpulos, chamando uns aos outros, dia após dia, "Vamos comer e beber,
cantar e dançar, e nos divertir. Deus é bom. Não nos criou para nos destruir.
Ele não nos proíbe de nos divertir. Nós não deveríamos ser destruídos por tão
pouco. 'Não morrereis'."
11. Queridos irmãos e irmãs,
lembrem-se que nosso amado Salvador tem seus olhos em vocês nesse momento, e
Ele diz a cada um de vocês individualmente, "Veja como quase todos me
abandonaram na estrada real da Cruz. Os pagãos em sua cegueira ridicularizam
minha Cruz como loucura; Judeus obstinados são repelidos por isso como um
objeto de horror; heréticos destróem e quebram-na em pedaços como algo
desprezível. "Até meu próprio povo – e eu digo isso com lágrimas nos olhos
e sofrimento em meu coração – meus próprios filhos que eu criei e instruí em
meus caminhos, meus membros que eu ressuscitei com meu próprio Espírito,
voltaram as costas para mim e me abandonaram se transformando em inimigos de
minha Cruz. 'Vocês também irão embora?' Vocês também me abandonarão fugindo de
minha Cruz como os mundanos, que assim se tornam tantos anticristos? Vocês
também seguirão o mundo; a despeito da pobreza de minha Cruz para procurar
então a riqueza; evitar os sofrimentos de minha Cruz para procurar o
divertimento; evita as humilhações de minha Cruz para seguir então as honras do
mundo? 'Em aparência tenho muitos amigos, que asseguram me amar, porém, no
fundo de seus corações me odeiam. Eu tenho muitos amigos em minha mesa, mas
muito poucos de minha Cruz.' (Imit. II, 11, 1)."
12. Nesse apelo apaixonado de
Jesus, vamos nos elevar sobre nossa natureza humana; não vamos nos deixar
seduzir pelos nossos sentimentos, tal como Eva; mas mantenhamos nossos olhos
fixados em Jesus crucificado, que nos conduz a nossa fé e nos induz à perfeição
(Heb 12.2). Vamos nos separar das práticas do mal do mundo; Vamos mostrar nosso
amor por Jesus da melhor forma, isto é, através de todo tipo de cruzes. Reflita
bem nessas excelentes palavras de nosso Salvador, "Em seguida, Jesus disse
a seus discípulos: Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome
sua cruz e siga-me." (Mt 16.24; Lc 9.23).
II. AS PRÁTICAS DA PERFEIÇÃO
CRISTÃ
13. A santidade Cristã consiste nisso:
1. Resolver se tornar um santo:
"Se alguém quiser ser meu seguidor;"
2. Negação de si mesmo:
"Renuncie a si mesmo;"
3. Sofrimento: "Tome sua
cruz;"
4. Agir: "Siga-me."
A. Se alguém quiser me seguir
14. "Se alguém," diz
nosso Senhor, apontando o pequeno número dos escolhidos desejando conformar-se
com Cristo crucificado carregando sua cruz. Seu número é tão pequeno que nós
seríamos confundidos se nós o conhecêssemos. É tão pequeno que dificilmente há um
em dez mil, como tem sido revelado por vários santos, incluindo São Simão
Estelito (como é relatado pelo Abade Nilo), São Basílio, São Efraim e outros. É
tão pequeno que, para reuni-los, Deus teria que convocá-los um a um como fez
através de seu profeta, "Vocês serão reunidos um a um;" um de seu
país, um daquela província.
15. "Se alguém quiser,"
Se alguém tiver um desejo
genuíno, uma determinação, não estimulada pela natureza, hábito, amor próprio,
interesse próprio, ou respeito humano, mas pela graça do Espírito Santo
totalmente conquistada, que não é dada a qualquer um. "Não é dado a todos
os homens conhecer seu mistério." Em verdade, somente umas poucas pessoas
têm o conhecimento de como sobreviver ao mistério da Cruz na vida diária. Para
um homem subir o Monte do Calvário e permitir ser pregado à cruz com Cristo no
meio de seu próprio povo, deve ser corajoso, heróico, resoluto; alguém que é
íntimo de Deus, e trata com indiferença o mundo e o demônio, seu próprio corpo
e seus próprios desejos; alguém que é determinado a deixar todas as coisas, a
tomar para si todas as coisas, e sofrer todas as coisas por Cristo. Vocês devem
compreender, meus queridos Amigos da Cruz, que se não houver alguém entre vós
com tal determinação, este alguém está andando somente com um pé, voando com
apenas uma asa. Ele não é digno de ser alguém de sua companhia, posto que ele
não é digno de ser chamado um Amigo da Cruz, que nós devemos, como Jesus, amar
"com uma mente rica e um coração desejoso." Só precisamos de um membro
com meio coração para corromper o grupo todo, como um tolo repulsivo. Se um tal
entrar em seu aprisco através da porta má do mundo, então, em nome de Cristo
crucificado, expulse-o como você faria com um lobo do rebanho.
16. "Se alguém quiser ser um
seguidor meu."
Se alguém quiser me seguir que,
assim se humilhe e se esvazie, e que chegue a parecer um verme e não um homem;
comigo, que não vim ao mundo senão para abraçar a cruz, aqui estou; para
preparar meu coração, para amar a sabedoria desde minha juventude, para
suspirar por ela em todos os dias da minha vida, para levá-la alegremente,
preferindo-a a todas as alegrias e deleites que o céu e a terra possam
oferecer, e não se contentar plenamente até morrer em seu divino abraço.
B. Renuncie a si mesmo
17. Se alguém, portanto, quiser
me seguir tão humilhado e crucificado, deve se gloriar, como eu, somente na
pobreza, humilhações e sofrimentos de minha Cruz. "Renuncie a si
mesmo." Excluídos estão da companhia dos Amigos da Cruz o sábio mundano,
os intelectuais e os céticos vinculados a suas próprias idéias e inflados com
seus próprios talentos. Longe de vocês aqueles tagarelas sem fim que fazem um
grande espetáculo, mas não produzem nada a não ser orgulho. Longe de vocês
aqueles assim chamados devotos Católicos que em seu orgulho exibem a
auto-suficiência do orgulhoso Lúcifer em todo lugar que vão, dizendo, "Eu
não sou como o resto dos homens;" que não podem sofrer, estando culpados
sem darem desculpa, serem atacados sem responderem de volta, serem humilhados
sem exaltarem a si mesmos.
Sejam cuidadosos para não
admitirem no interior de sua sociedade aquelas pessoas delicadas e sensíveis
que ficam com medo da mais leve picada de alfinete, que gritam e queixam-se à
mínima dor, que não sabem nada do vestuário, da disciplina ou outros
instrumentos de penitência, e que misturam-se com suas devoções modernas, uma
mais refinada exigência e uma mais observada carência de mortificação.
C. Tome sua cruz
18. "Tome sua cruz,"
aquela que é dele. Que o homem (ou mulher), de modo tão extraordinário,
"muito além do preço de pérolas, "tome sua cruz alegremente, abrace-a
com amor, e carregue-a corajosamente em seus ombros, sua própria cruz, e não
aquela de um outro – sua própria cruz que eu, em minha sabedoria, designei para
ele em todos detalhes de número, medida e peso; sua própria cruz que eu moldei
com minhas próprias mãos e com grande exatidão com relação às suas quatro
dimensões: comprimento, largura, espessura e profundidade; sua própria cruz,
traçada por minha mão com exatidão; sua própria cruz, que é o maior presente
que eu posso conceder aos meus escolhidos na terra; sua própria cruz, cuja
espessura é feita à custa da perda de posses, humilhações, desprezo,
sofrimentos, enfermidades e experiências espirituais, que vêm diariamente até
sua morte em conformidade com minha providência; sua própria cruz, cujo
comprimento consiste de um certo período de dias ou meses sofrendo calúnias, ou
vivendo como um doente acamado, ou sendo forçado a pedir, ou sofrer pelas tentações,
secura, desolação, e outras experiências interiores; sua própria cruz, cuja
largura é moldada sobre as mais ásperas e amargas circunstâncias produzidas por
parentes, amigos, servos; sua própria cruz, cuja profundidade é moldada sobre
as experiências escondidas que nele deveriam ser infligidas sem capacidade de
encontrar qualquer conforto em outras pessoas, porque elas também, sob minha
direção, afastar-se-ão dele e se reunirão comigo para fazê-lo sofrer.
19. "Tome-a," significa
carregar sua cruz e não arrastá-la, ou livrar-se dela, ou diminuir seu peso, ou
escondê-la. Em vez disso, venha suspendê-la no alto e carregá-la sem
impaciência ou aborrecimento, sem reclamação intencional ou resmungo, sem
hesitação ou encobrimento, sem vergonha ou respeito humano. "Tome-a"
e ajuste-a em sua fronte, dizendo com São Paulo, "A única coisa que eu
posso ostentar a respeito é a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo."
Carregue-a em seus ombros como Nosso Senhor, que tomara se torne a fonte de suas
vitórias e o espectro de seu poder: "O domínio é colocado sob seus
ombros." Ajuste-a em seu coração, onde, tomara, como a sarça ardente de
Moisés, queime dia e noite com o puro amor de Deus sem ser consumida!
20. "A cruz": Carregue,
porque nada é tão necessário, tão benéfico, tão agradável, ou tão glorioso como
sofrer algo por Jesus Cristo.
1. Nada é tão necessário
21. Queridos Amigos da Cruz, nós
somos todos pecadores; não há ninguém entre nós que não tenha merecido o
inferno, e eu muito mais do que qualquer um. Nossos pecados devem ser punidos
ou nesse mundo ou no próximo. Se nós sofremos por eles agora, nós não
deveríamos sofrer por eles depois da morte. Se nós, de bom grado, aceitamos o
castigo por eles, essa punição será um ato do amor de Deus; porque é a misericórdia
que sustenta poder e punições nesse mundo, e não a estrita justiça. Esse
castigo será leve e temporário, acompanhado pela consolação e mérito, e seguido
pelas recompensas tanto aqui quanto na eternidade.
22. Mas se o castigo devido por
nossos pecados é adiado até o mundo vindouro, então será a justiça vingadora de
Deus que oferece tudo ao fogo e à espada, que infligirá o castigo, um terrível
e indescritível castigo: "Quem compreende o poder de sua cólera?"
Julgamento sem misericórdia, sem reparação, sem mérito, sem limite e sem fim.
Sim, sem fim. Esse pecado grave de um momento que você cometeu, esse mau
pensamento voluntário que escapou ao seu cuidado, essa palavra que se arrastou
com o vento, essa ação diminuta que violentou a lei de Deus – serão castigados
pela eternidade, seja com Deus ou sem Deus, na companhia dos demônios no
inferno, sem que esse Deus vingador tenha piedade de seus espantosos tormentos,
em seus soluços e lágrimas, violentos o suficiente para lascar pedras. Padecer
eternamente, sem mérito algum, sem misericórdia e sem fim.
23. Nós não pensamos nisso, meus
queridos irmãos e irmãs, quando nós havemos de sofrer alguma experiência nesse
mundo? Quão sortudos somos nós para sermos capazes de mudar um castigo eterno e
inútil por outro passageiro e transitório somente por tolerar nossa cruz com
paciência! Quantas de nossas dívidas ainda não estão pagas! Quantos pecados nós
cometemos e que, apesar de uma confissão sincera e uma contrição profunda, nós
havemos de sofrer no purgatório por vários anos, simplesmente porque nesse
mundo nós nos contentamos com umas poucas leves penitências!
Ah, saldemos nossas dívidas com
boa-vontade nessa vida carregando alegremente nossa cruz. No outro, tudo deverá
ser pago pelas más até o último centavo, até uma palavra ociosa. Se lográssemos
apanhar do diabo o livro da morte onde ele anotou todos nossos pecados e a
punição que lhes é devida, que dívida pesada encontraríamos, e quão contentes
ficaríamos por sofrer tão longos anos na terra em preferência a um único dia no
mundo vindouro!
24. Amigos da Cruz, vocês não se
elogiam pelo que vocês são, ou desejam vir a ser, os amigos de Deus? Bem,
então, decidam beber o cálice que vocês devem beber para que se tornem amigos
de Deus: "Aqueles que beberam o cálice do Senhor se tornaram amigos de
Deus." A Benjamin, o amado filho de Jacó, foi dado o cálice, enquanto seus
outros irmãos não receberam nada a não ser trigo. O discípulo amado de Cristo,
tão querido pelo coração de seu Mestre, subiu até o Calvário e bebeu de seu
cálice. "Você pode beber o cálice que eu estou indo beber?" Desejar
que a glória de Deus seja excelente, mas desejar e rezar por ela sem resolver
sofrer por coisas tão tolas quanto extravagantes: "Não sabeis o que pedis..."
"Nós devemos experimentar muitas dificuldades antes de entrarmos no reino
do céu." Para entrar em seu reino vocês devem sofrer muitas cruzes e
tribulações.
25. Com razão vocês gloriam ser
filhos de Deus. Vocês deveriam se gloriar, pois, também da correção que seu Pai
Celestial lhes deu e lhes dará futuramente, porque ele castiga todos seus
filhos. Se vocês não estão incluídos entre seus filhos amados, vocês estão -
que desgraça! - incluídos entre aqueles que estão perdidos, como aponta Santo
Agostinho. Ele também nos conta que, "Aquele que não fica de luto nesse
mundo como um estrangeiro e um peregrino não se regozijará no mundo vindouro
como um cidadão do céu."
Se seu Pai Celestial não lhe
enviar algumas cruzes que valham à pena de tempos em tempos, é porque Ele não
mais se preocupa e está furioso contigo; Ele está te manejando como um
observador, não mais pertencendo a sua família e merecendo sua proteção, ou
como um filho ilegítimo, que, não tendo nada do que reivindicar por uma porção
da herança, não merece nem cuidado nem correção.
26. Amigos da Cruz, discípulos de
um Deus crucificado, o mistério da Cruz é um mistério desconhecido aos Gentios,
rejeitado pelos Judeus, e desprezado pelos hereges e maus católicos. Mas é o
grande mistério que vocês devem aprender a praticar na escola de Cristo, e que
só pode ser aprendido por Ele. Em vão vocês buscarão por todas as escolas dos
tempos antigos um filósofo que assim ensinou; em vão apelarão à luz dos
sentidos ou da razão. Somente Jesus pode ensiná-los e fazê-los gostar deste
mistério por sua graça toda-poderosa. Esforce-se, então, para se tornar hábil
em sua sublime ciência sob a guia de um Mestre tão excelente, e vocês
entenderão todas as outras ciências, porque ela contém todas em um grau de
eminência. É nossa filosofia natural e sobrenatural, nossa teologia divina e
mística, nossa pedra filosofal, que, pela paciência, transforma os metais mais
grosseiros em preciosos, as dores mais amargas em prazerosas, pobrezas em
riquezas, as mais profundas humilhações em glória. Aquele de vocês que melhor
saiba como carregar sua cruz, ainda que fosse um analfabeto, é o mais sábio de
todos.
O grande São Paulo retornou do
terceiro céu, onde aprendeu os mistérios escondidos mesmo dos anjos, declarou
que não sabia nem queria saber de nada a não ser Cristo crucificado. Alegre-se,
então, seu pobre Cristão, homem ou mulher, sem quaisquer habilidades escolares
ou intelectuais, porque se você souber sofrer alegremente, você sabe mais do
que um doutor da Universidade Sorbonne que não sabe como sofrer como você.
27. Vocês são os membros de
Cristo, uma honra maravilhosa realmente, porém haveis de sofrer. Se a Cabeça é
coroada com espinhos, os membros podem esperar serem coroados com rosas? Se a
Cabeça é zombada e coberta com pó na estrada do Calvário, podem os membros
esperar serem borrifados com perfumes em um trono? Se a Cabeça não tem
travesseiro para descansar, podem os membros esperar reclinarem-se entre plumas
e edredons? Seria algo impensável! Não, não, meus queridos Companheiros da
Cruz, não enganem-se a si mesmos. Esses Cristãos vocês vêem em todo lugar,
vestidos de acordo com a moda, fastidiosos a seu modo, cheios de importância e
dignidade, não são verdadeiros discípulos, verdadeiros membros do Cristo
crucificado. E se pensarem de outro modo, ofereçam a essa Cabeça coroada de
Espinhos a verdade do Evangelho. Quantos assim chamados Cristãos imaginam que
eles sejam membros de nosso Salvador quando em realidade são seus traiçoeiros
perseguidores, porque embora com a mão eles façam o sinal da cruz, em seus corações
eles são seus inimigos!
Se vocês são guiados pelo mesmo
espírito, se vocês vivem com a mesma vida como Jesus, sua Cabeça coroada por
espinhos, vocês devem esperar somente espinhos, chicotes e pregos; que
significa, nada além da cruz; porque o discípulo deve ser tratado como o mestre
e os membros como a cabeça. E se lhes for oferecido, como foi a Santa Catherine
de Sienna, uma coroa de espinhos e uma de rosas, vocês deveriam, como ela,
escolher coroar-se de espinhos sem hesitação e espremê-la sobre suas cabeças,
da mesma forma que Cristo.
28. Vocês sabem que são moradas
do Espírito Santo e que, como pedras vivas, estão para ser marcados pelo Deus
do amor na construção da Jerusalém celestial. E assim vocês devem esperar serem
dispostos, cortados e talhados sob o martelo da cruz; de outra forma, vocês
permaneceriam pedras brutas, boas para nada a não ser jogadas fora. Sejam
cautelosos para que vocês não causem recuo ao martelo quando ele lhes bater;
respeite o escultor que está lhe esculpindo e a mão que está lhes pondo forma.
Pode ser que esse perito e amoroso artista precise de vocês para ter um lugar
importante em seu edifício eterno, ou para ser alguns dos mais belos artífices
em seu reino celestial. Portanto, deixe-o fazer o que Lhe apraz; Ele os ama,
Ele sabe o que está fazendo, Ele teve experiência. Seus golpes são hábeis e
dirigidos com amor; nunca os dá em falso, exceto por sua impaciência.
29. O Espírito Santo compara a
cruz algumas vezes a um processo de filtração que separa o grão do refugo e da
poeira. Como o grão diante do leque, deixemo-nos ser sacudidos sem resistir;
pois o Pai da família está lhe esmiuçando e em breve o colocará em seu celeiro.
Outras vezes, o Espírito Santo compara a cruz a um fogo que remove a ferrugem
do ferro através da intensidade de seu calor. Nosso Deus é um fogo devorador
residindo em nossas almas através de sua cruz para purificá-las sem
consumi-las, como ele fez anteriormente com a sarça ardente. De novo, Ele
compara a cruz à caçarola de uma fornalha em que o bom metal é refinado e o mau
se dissipa na fumaça; o metal é purificado pelo fogo, enquanto as impurezas
desaparecem no calor das chamas. E é na caçarola da tribulação e tentação que
os verdadeiros amigos da cruz são purificados pela sua constância em
sofrimentos, enquanto seus inimigos são varridos para fora pela sua impaciência
e murmurações.
30. Meus queridos Amigos da Cruz,
vejam diante de vocês uma grande nuvem de testemunhas que, sem dizer uma
palavra, provam o que eu tenho dito. Considere, por exemplo, que o justo Abel,
que foi morto pelo seu irmão; e Abraão, um homem justo que foi um estrangeiro
na terra; Ló, um homem justo, expulso de seu próprio país; Jacó, um homem justo
perseguido pelo seu irmão; Tobit, um homem justo golpeado com a cegueira; Jó,
um homem justo que ficou empobrecido, humilhado e coberto com feridas da cabeça
aos pés.
31. Considerem os incontáveis
apóstolos e mártires que foram banhados em seu próprio sangue; as virgens e os
confessores que foram reduzidos à pobreza, humilhados, perseguidos ou exilados.
Todos eles podem dizer com São Paulo, "Olhem para Jesus, o pioneiro e o
mais perfeito de nossa fé," a fé que nós temos nele e em sua Cruz; foi
necessário que ele sofresse e depois entrasse, em sua glória, através da Cruz.
Do lado de Jesus, vemos Maria sua Mãe, que nunca se manchou com qualquer
pecado, original ou atual, apesar do coração puro e adorado trespassado de lado
a lado. Se eu tivesse um tempo para enfatizar os sofrimentos de Jesus e Maria,
eu poderia mostrar que o que nós sofremos não é nada comparado aos deles.
32. Quem, então, ousaria invocar
estar isento da cruz? Quais de nós não se precipitará em se colocar onde sabe
que a cruz o aguarda? Quem recusaria em dizer com Santo Inácio de Antióquia,
"Podem vir o fogo, a forca, bestas selvagens e todos os tormentos do
inferno, que eu posso deleitar-me na possessão de Cristo."
33. Mas se vocês não estão
desejando sofrer pacientemente e carregar sua cruz com resignação como aqueles
escolhidos por Deus, então vocês terão que carregá-la se lamentando e
reclamando como aqueles na estrada da danação. Vocês estarão como os dois bois
que puxavam a Arca da Aliança, mugindo; como Simão de Cirene que, totalmente
sem vontade, levantou toda cruz de Cristo e não fez nada a não ser reclamar
enquanto a carregava. E, no fim, você será como o bandido impenitente, que, do
alto de sua cruz, se precipitou no abismo.
Não, sua terra maldita em que nós
vivemos não está destinada a nos tornar feliz; nessa terra de escuridão não
podemos esperar ver claramente; não há nenhuma tranqüilidade perfeita nesse mar
tormentoso; nós nunca podemos evitar conflitos nesse campo de experiência e
batalha; nós não podemos escapar de sermos arranhados nessa terra coberta de
espinhos. Desejosa ou indesejosamente, todos devem carregar sua cruz, tanto
aqueles que servem a Deus e aqueles que não servem. Tenha em mente as palavras
do hino:
Escolha uma cruz das três do
Calvário; Uma deve ser escolhida, então escolha corretamente; Vocês devem
sofrer como um santo ou um bandido arrependido, Ou como um reprovado, em uma
tristeza sem fim. Isso significa que se vocês não estão desejando sofrer como o
bandido sem arrependimento, terão que beber o cálice da amargura até as sujeiras
sem a ajuda consoladora da graça, e vocês terão que sustentar o peso completo
de sua cruz, desprovido do poderoso apoio de Cristo. Vocês terão que carregar
até a sobrecarga que o demônio acrescentará por meios da impaciência que lhes
causará. E depois de participar da infelicidade do bandido impenitente na
terra, vocês repartirão sua miséria na eternidade.
2. Nada é tão útil e tão
agradável
34. Mas se, ao contrário, vocês
sofrem da forma correta, a cruz se tornará um jugo fácil e leve, visto que o
próprio Cristo a carregará convosco. Dará asas a vocês para elevá-las aos céus;
se tornará o mastro do seu navio, conduzindo-os direta e facilmente ao porto da
salvação. Carregue sua cruz pacientemente, e será uma luz em sua escuridão
espiritual, porque aquele que nunca sofreu provas é ignorante. Carregue sua
cruz alegremente e você ficará completo com o amor divino; porque somente
sofrendo podemos residir no puro amor de Cristo. Rosas são encontradas somente
entre os espinhos. É a cruz sozinha que alimenta nosso amor de Deus, como a
madeira é o combustível que alimenta o fogo. Lembre do belo dito na
"Imitação de Cristo ", "Conforme você faça violência a si mesmo,
sofrendo pacientemente, assim você progredirá " no amor divino.
Não espere qualquer coisa daquelas
pessoas sensíveis e preguiçosas que rejeitam a cruz quando ela deles se
aproxima, e que são cuidadosos em não procurar por cruzes. O que eles são senão
uma terra inculta que não produzirá nada a não ser espinhos porque não foi
trazida à tona, trabalhada e modificada por um lavrador experimentado? Elas são
como água podre, que é inadequada tanto para lavar quanto para beber. Carregue
sua cruz alegremente e você encontrará nela uma força toda-poderosa que nenhum
de nossos inimigos será capaz de resistir, e você encontrará nela um prazer
além de tudo aquilo que você já conheceu. Realmente, irmãos, o verdadeiro
paraíso terrestre é encontrado no sofrimento por Cristo. Pergunte a qualquer
dos santos, e eles lhe contarão que eles nunca experimentaram um banquete mais
delicioso para o espírito do que o experimentar os graves tormentos.
"Deixe todos os tormentos do demônio virem sobre mim," disse Santo
Inácio, o Mártir. "Deixe-me sofrer ou morrer," disse Santa Teresa de
Avila. "Não morrer sem sofrer," disse Santa Maria Madalena de Pazzi.
"Eu posso sofrer e ser desprezada pelo seu propósito," disse o Beato
João da Cruz. E muitos outros têm falado nos mesmos termos, como nós lemos
sobre suas vidas.
Meus queridos irmãos e irmãs,
tenham fé na palavra de Deus, porque o Espírito Santo nos diz que quando nós
sofremos alegremente por Deus, a cruz é a fonte de todo tipo de alegria para
toda espécie de pessoas. A alegria que vem da cruz é muito maior que a de um
homem pobre que repentinamente herda uma fortuna, ou de um camponês que é
levado ao trono; maior do que a alegria de um negociante que se torna
milionário; do que a de um líder militar sobre as vitórias que ele obteve; do
que a dos prisioneiros libertos de suas correntes. Em resumo, imaginem maior
alegria do que a que pode ser experimentada na terra, e entenda então que a
felicidade de alguém que tolera seus sofrimentos no caminho da justiça contém,
e até sobrepuja, todos elas.
3. Nada é tão glorioso
35. Assim, regozijem-se e fiquem
felizes quando Deus lhes favorece com uma de suas seletas cruzes; pois sem se
darem conta, vocês são abençoados com o maior presente do céu, o maior presente
de Deus. Se assim entendereis, se encarregareis das missas, fareis novenas nos
santuários dos santos, tomareis para si longas peregrinações, como fizeram os
santos, para obterem do céu o galardão divino.
36. O mundo chama isso de
loucura, degradação, estupidez, uma falta de juízo e de senso comum. Eles estão
cegos: deixe-os dizer o que gostam. Sua cegueira, que os faz ver a cruz em um
caminho humano e distorcido, é uma fonte de glória para nós. Toda vez que eles
nos fazem sofrer por sua zombaria e insultos, nos presenteiam com jóias, nos
preparando um trono, e nos coroando com loureiros.
37. Mais que isso ... como diz
São João Crisóstomo, "Toda a riqueza e honras, cetros e coroas ornadas com
jóias de reis e imperadores não podem ser comparadas com o esplendor da
cruz." É maior até que a glória de um apóstolo ou evangelista. "Se eu
tivesse escolha," continua esse santo homem, iluminado pelo Espírito
Santo, "Eu deixaria desejosamente o céu para sofrer pelo Deus do céu. Eu
prefereria masmorras e prisões aos tronos do mais alto céu, e as mais pesadas
das cruzes à glória dos serafins. Eu avalio a honra do sofrimento mais do que
os presentes dos milagres, que por ele tenho o poder de subjugar espíritos
maus, abalar os elementos do mundo, parar o sol em seu curso, ou elevar os
mortos à vida. São Pedro e São Paulo são mais gloriosos em seus grilhões do que
tendo alcançado o terceiro céu ou recebido as chaves do céu."
38. Realmente, não é a Cruz que
deu a Jesus Cristo "o nome que está sobre todos os outros nomes, de forma
que todos seres nos céus, na terra e no submundo curvariam os joelhos ao Seu
Nome?" A glória de alguém que sabe como sofrer é tão grande como o céu, os
anjos e os homens, e até o próprio Deus, contemplam-no com alegria como uma
vista mais gloriosa. E se os santos no céu desejassem algo, seria retornar à
Terra para que suportassem algumas cruzes.
39. Mas se essa glória é tão
grande mesmo na terra, o que será no céu? Quem poderia descrevê-la? Quem
poderia mesmo entender completamente o peso eterno de glória que um único
momento despendido na alegria carregando uma cruz nos oferece? Quem poderia
compreender a glória ganha no céu por um ano, e às vezes por toda uma vida, em
cruzes e sofrimentos?
40. Vocês podem ficar certos,
meus queridos Amigos da Cruz, que algo maravilhoso os espera, visto que o
Espírito Santo lhes uniu tão intimamente que todos muito cuidadosamente o
evitam. E vocês podem ficar certos, também, que Deus quer fazer tantos santos
quantos Amigos da Cruz existirem, se vocês forem fiéis às suas vocações e
carregarem de bom grado suas cruzes assim como Cristo o fez.
D. Siga-me
41. Porém, não basta sofrer, o
mal e o mundo também têm seus mártires. Nós devemos sofrer e carregar nossa
cruz nas pegadas de Cristo: "Siga-me," que significa que nós devemos
sofrer carregando-a como Jesus. Para lhes ajudar nisso, há regras a serem
seguidas:
As catorze regras
Não procurar cruzes de propósito,
nem pela própria culpa
42. 1) Não procure carregar
cruzes deliberadamente. Nós não devemos fazer algo errado para produzir algo
bom; nem devemos, sem uma inspiração especial de Deus, fazer coisas más de modo
a atrair a zombaria a nós mesmos. Havemos que imitar nosso Senhor, sobre Quem
foi dito, "Ele fez bem todas as coisas," não por auto-estima ou
vaidade, mas para agradar a Deus e triunfar sobre nossos semelhantes. E se você
se dedicar a cumprir seus deveres, não lhe faltarão oposições, críticas e
zombarias, que serão enviadas pela providência divina sem sua escolha ou
exigência.
Olhar pelo bem do próximo
43. 2) Se acontecer de você fazer
algo que não é nem bom nem mau em si mesmo, e seu próximo se escandalizar nisso
– embora sem razão – se abstenha de fazê-lo por caridade, para evitar o
escândalo dos fracos. Um tal ato heróico de caridade será de maior importância
no olhar de Deus do que a ação que você estaria fazendo ou pretendendo fazer.
Todavia, se o que você está fazendo é necessário ou benéfico para seu próximo,
e algum hipócrita ou fariseu se escandaliza sem motivo, remeta a matéria a
algum conselheiro prudente para descobrir se é realmente necessário ou
vantajoso para eles. Se ele julgar que sim, então continue sem se preocupar com
o que as pessoas dizem, enquanto que eles não te detenham. E você pode
dizer-lhes o que nosso Senhor disse a alguns de seus discípulos quando eles lhe
contaram que os escribas e fariseus ficaram escandalizados, no que ele disse:
"Deixai-os. São cegos e guias de cegos".
Admire a virtude sublime dos santos
sem pretender imitá-la
44. 3) Embora certos grandes e
santos homens tenham procurado e pedido por cruzes, e até pelo seu peculiar
comportamento toleraram sofrimentos, desprezo e humilhações, pois bem, vamos
nos contentar com a admirável e gloriosa obra do Espírito Santo em suas almas.
Humilhai à vista de tal virtude sublime sem tentar alcançar tais níveis por si
mesmos. Comparados com aquelas águias ligeiras e leões fortes, nós somos
carneiros de coração fraco.
Peça a Deus pela sabedoria da
cruz
45. 4) Você poderia e deveria
rezar pela sabedoria da cruz, aquele conhecimento da verdade que nós
experimentamos dentro de nós mesmos e que pela luz da fé aprofunda nosso
conhecimento dos mistérios mais escondidos, incluindo aqueles da cruz. Mas isso
é obtido somente através de muito trabalho, grandes humilhações e orações
fervorosas. Se necessitais esse espírito generoso que permite levar as cruzes
mais pesadas corajosamente; esse espírito gracioso e consolador, que nos
capacita, na parte mais elevada da alma a gostar das coisas que são amargas e
repulsivas; de seu são e justo espírito que procura somente a Deus; de sua
ciência da cruz que abraça todas as coisas; em resumo, desse inesgotável
tesouro através do qual aqueles que fazem bom uso dele ganham a amizade de Deus
– se você sustentar tal necessidade, ore pela sabedoria, peça por ela
continuamente e fervorosamente sem hesitar ou temer não obtê-la, e será sua.
Então você entenderá claramente em sua própria experiência como é possível
desejar, procurar e encontrar alegria na cruz.
Humilhe-se pelas faltas de
alguém, sem se preocupar
46. 5) Se você cometer um erro
grave que traga a cruz sobre você, seja inadvertidamente ou mesmo pela sua
própria culpa, incline-se sob a poderosa mão de Deus sem atraso, e na medida do
possível não se preocupe com isso. Você poderia dizer consigo mesmo,
"Senhor, aqui está um exemplo de minha obra." Se há algo errado no
que eu tenho feito, aceite a humilhação como um castigo; se não foi pecado,
aceite-a como um meio de conter seu orgulho. Freqüentemente, até muito
freqüentemente, Deus permite a seus maiores servos, aqueles mais adiantados na
santidade, cair nas mais humilhantes faltas de forma a humilhá-los diante de
seus próprios olhos e dos olhos dos outros. Ele, assim, nos guarda dos
pensamentos de orgulho que poderiam nos mimar por causa das graças que
receberam, ou pelo bem que elas produzem de forma que “ninguém possa vangloriar-se
na presença de Deus."
Deus nos humilha e purifica
47. 6) Você deve entender que
através do pecado de Adão e através dos pecados que nós mesmos cometemos, tudo
em nós se torna desprezado, não apenas em sentido corporal, mas também os
poderes de nossa alma. E no momento em que nossas mentes corruptas consideram
algum dom de Deus em nós, com morosidade e complacência, esse dom, essa ação,
essa graça se mancha e se estraga, e Deus não mais olha por ela com favor. Se
os pensamentos e reflexões da mente podem, desta forma, corromper as melhores
ações do homem e os maiores dons de Deus, quão pior serão os maus efeitos da
teimosia do homem, que são até mais corruptos do que aqueles da mente?
Depois disso, não nos estranha,
pois, se Deus se apraz em ocultar seus amigos na guarida de sua presença, para
que não venham a ser manchados pelos olhos atentos dos homens ou pelo seu
próprio conhecimento. E mantê-los ocultos, o que esse Deus zeloso não permite e
até faz! Quão freqüentemente Ele os humilha! Quantas faltas lhes procuram! De
quais tentações permite que sejam atacados, como São Paulo! Em quais
incertezas, escuridão e penumbra lhes deixa! Oh, que admirável é Deus em seus
santos, e nas vias que Ele dispõe para conduzi-los à humildade e santidade!
Evite a armadilha do orgulho nas
cruzes
48. 7) Não seja como aqueles
orgulhosos e soberbos que vão às igrejas, imaginando que suas cruzes sejam
pesadas, que eles estejam fortalecidos em sua fidelidade e sinais do amor
excepcional de Deus por você. Essa tentação, elevando-se do orgulho espiritual,
é mais enganadora, sutil e repleta de veneno. Você deve crer (1) que seu
orgulho e sensibilidade faz transformar farpas em tábuas, arranhões em feridas,
colinas em montanhas, uma palavra momentânea não significando nada além de um
insulto escandaloso ou um desprezo cruel; (2) que as cruzes que Deus lhe envia
sejam punições amorosas para seus pecados, especialmente, sinalizando um favor
especial de Deus; (3) que quais sejam as cruzes ou humilhações que ele lhe
envia são excessivamente leves em comparação com o número e a grandeza de suas
ofensas, porque você deveria considerar seus pecados à luz da santidade divina,
que não pode tolerar nada que seja poluído, e contra a qual você se coloca; na
luz de um Deus sofrendo morte enquanto abrumado de dor por causa de seus
pecados; à luz de um inferno eterno que você mereceu novamente; (4) que na
paciência com a qual padeceis, mesclais o humano e natural, bem mais do que
crê. Testemunhas daqueles poucos caminhos que cuidam de ti, aqueles discretos
procurando por simpatia, aquelas confidências que você faz de uma maneira
natural aos seus amigos, e talvez a seu diretor espiritual, aquelas especiosas
desculpas que você está pronto a dar, aquelas reclamações, ou, se preferir,
críticas àqueles que lhe causaram prejuízo, tão bem formuladas, tão
caritativamente expostas, esse reconsiderar e se condescender delicadamente em
seus males, esse convencimento luciferiano que você é algo grande etc. Não
acabaria nunca se houvesse que descrever todas as idas e voltas da natureza
desses sofrimentos.
Aproveitar-se mais dos pequenos sofrimentos
do que dos grandes
49. 8) Tomar vantagem dos
pequenos sofrimentos, até mais do que dos grandes. Deus considera não tanto o
que sofremos, mas como nós sofremos. Sofrer uma grande porção, mas duramente, é
sofrer como o condenado, sofrer muito, até bravamente, mas por uma causa má, é
sofrer como um discípulo do demônio; sofrer pouco ou muito para a causa de Deus
é sofrer como um santo.
Se houvesse o caso em que
pudéssemos ter uma preferência por certas cruzes, optaríamos pelas menores e
discretas, frente as grandes e chamativas. Procurar e pedir por grandes e
deslumbrantes cruzes, e até escolher e ficar bem com elas, pode ser o resultado
de nosso orgulho natural; mas escolher pequenas e insignificantes e suportá-las
alegremente pode somente vir de uma graça especial e uma grande fidelidade a
Deus. Assim, faça o que um merceeiro faz em seu negócio: volte tudo para o
lucro. Não permita que o menor pedaço da verdadeira Cruz seja perdido, ainda
que seja somente uma picada de inseto ou uma picada de alfinete, uma pequena
excentricidade de seu próximo ou algum desprezo não intencional, a perda de
algum dinheiro, alguma pequena ansiedade, um pequeno desgaste corporal, ou uma
leve dor em seus membros. Volte tudo para o lucro, como o dono de mercearia faz
em sua loja, e você logo se tornará rico diante de Deus, da mesma forma que o
dono da mercearia se torna rico em dinheiro juntando centavo por centavo em seu
trabalho. Ao menor grau de aborrecimento, diga: "Obrigado, Senhor. Seja
feita sua vontade." E armazene em seguida na memória de Deus, que vem a
ser o seu alcance, a cruz que acabou de ganhar, e depois já não pense em mais
nada a não ser repetir seus agradecimentos.
Amar a cruz, não com amor
emocional, mas com amor racional e sobrenatural
50. 9) Quando a nós é contado o
amor à cruz, esse amor não se refere a um amor emocional, impossível a nossa
natureza humana. Há três tipos de amor: amor emocional, amor racional, e o amor
sobrenatural da fé. Em outras palavras, o amor que reside na parte inferior do
homem, em seu corpo; o amor na parte mais alta, sua razão, e o amor na parte
mais elevada do homem, no pico da alma, isto é, a inteligência iluminada pela
fé.
51. Deus não pede que você ame a
cruz com o desejo da carne, posto que a carne é sujeita ao pecado e à
corrupção, tudo isso procede do que é corrompido e, por si, não pode estar
submetido ao desejo de Deus e sua lei crucificante. Era o desejo desse homem que
nosso Senhor se referia no Jardim das Oliveiras, quando ele gritou, "Pai,
que se faça a tua vontade e não a minha." Se a menor parte da natureza
humana de Cristo, ainda que tão santa, não pudesse amar a cruz continuamente,
então com ainda maior razão nossa natureza corrompida a rejeitará. É verdade
que nós poderíamos às vezes experimentar até uma alegria sensível em nossos
sofrimentos, como muitos dos santos experimentaram; mas essa alegria não vem do
corpo, muito embora seja experimentada no corpo. Ela vem da alma, que fica tão
estupefata com a alegria divina do Espírito Santo que transborda no corpo.
Desse modo, alguém que está sofrendo grandemente pode dizer com o salmista,
"Meu coração e minha carne exultam de alegria ao Deus Vivo."
52 Há outro amor da cruz que eu
chamei de amor racional e que está na parte mais alta do homem, a mente. Esse
amor é inteiramente espiritual; ele brota do conhecimento de quão feliz nós
podemos ficar no sofrimento por Deus, e assim poder ser experimentado pela
alma, para a qual dá força e alegria interior. Mas embora essa alegria racional
e perceptível seja boa, na realidade, excelente, não é sempre necessária para
sofrer alegremente pela causa de Deus.
53. E então, há um terceiro tipo
de amor, que é chamado pelos mestres da vida espiritual o amor do pico da alma,
que é conhecido pelos filósofos como o amor do intelecto. Nesse, sem qualquer
sentimento de alegria nos sentidos ou satisfação na mente, nós amamos a cruz
que nós estamos carregando, pela luz da pura fé, e nos deleitamos nela, muito
embora a parte mais baixa de nossa natureza pudesse estar em um estado de
conflito e perturbação, gemendo e se queixando, vertendo lágrimas e desejando
por ajuda. Nesse caso, nós podemos dizer com nosso Senhor, "Pai, seja
feita a tua vontade e não a minha;" ou como nossa Senhora, "Eis aqui
a serva do Senhor, faça-se em mim segundo sua palavra."
É com um desses dois mais altos
amores que nós deveríamos amar e aceitar a cruz.
Sofrer todas os tipos de cruzes,
sem exceção e sem escolha
54. 10) Meus queridos Amigos da
Cruz, tomem a resolução de sofrer qualquer tipo de cruz sem excluir ou escolher
qualquer pobreza, injustiça, perda, doença, humilhação, negação, injúria,
secura espiritual, desolação, experiências interiores e exteriores, dizendo
sempre, "Meu coração está pronto, Ó Deus, meu coração está pronto."
Fiquem preparados, portanto, para serem abandonados pelos homens e anjos, e
aparentemente pelo próprio Deus; serem perseguidos, invejados, traídos,
injuriados, desacreditados e abandonados por todos; sofrerem fome, sede,
pobreza, nudez, exílio, detenção, forcas e todos os tipos de tortura, muito
embora vocês não tenham feito nada para merecer isso.
Finalmente, imaginem que vocês
tenham sido privados de suas posses e seu bom nome, e expulso de sua casa, como
Jó e Santa Elizabeth da Hungria; que vocês sejam atirados na lama, como Santa
Elizabeth, ou arrastados para um monte de estrume, como Jó, todo coberto com
úlceras, sem um curativo para suas feridas ou um pedaço de pão para comer que
algumas pessoas não recusariam dar a um cavalo ou um cachorro. Imagine que, em
acréscimo a todas essas terríveis desgraças, Deus lhes abandone a todas
tentações do demônio, sem aliviar sua alma com a menor consolação sensível.
Vocês acreditariam firmemente que
esse é o ponto mais alto da glória celestial e da alegria genuína para os
verdadeiros e perfeitos Amigos da Cruz.
Quatro considerações para sofrer
bem
55. 11) Para ajudá-lo a sofrer
bem, adquira o bom hábito de refletir nesses quatro pontos:
a. O olho de Deus
Primeiramente, o olho de Deus,
que, como um grande rei do alto de uma torre, observa com satisfação seu
soldado no meio da batalha, e elogia sua coragem. O que de Deus atrai a atenção
pela Terra? Serão reis e imperadores em seus tronos? Com freqüência Ele nos
olha sim com desprezo. Serão as grandes vitórias dos exércitos, pedras
preciosas, ou o que quer que seja grande aos olhos dos homens? Não, "o que
é altamente pensado pelos homens é repulsivo aos olhos de Deus". O que,
então, ele olha com prazer e satisfação, e do que ele pede conta aos anjos e
mesmo aos demônios? É aquele que está lutando contra o mundo, contra o demônio,
e somente ele pelo amor de Deus, o único que carrega sua cruz alegremente. Como
o Senhor disse a Satã, "Não viu sobre a Terra uma maravilha imensa que
todo céu contempla com admiração? Já viu meu servo Jó, que está sofrendo por
minha causa?"
b. A mão de Deus
56. Em segundo lugar, considerem a mão de Deus, que permite
que nos sobrevenham males de toda natureza, desde o maior até o menor. A mesma
mão que aniquilou um exército de cem mil homens é a que faz cair a folha da
árvore e um cabelo de suas cabeças; a mão que espremeu tão duramente Jó, gentilmente
lhes toca com uma tribulação leve. É a mesma mão que faz o dia e a noite, o
arco-íris e a escuridão, o bem e o mal. Ele permitiu as ações pecaminosas lhe
machucarem; ele não é causa de suas maldades, mas Ele permite as ações.
Se qualquer um, então, lhes trata como Shimei tratou o Rei
David, lhes cobrindo de insultos e lhes atirando pedras, digam a si mesmo,
"Não nos vinguemos deles. Deixemos que Ele atue, pois o Senhor dispôs que
se fizesse dessa maneira. Reconheço que mereço todo tipo de ultrajes, e é com
toda justiça que Deus me castiga. Detenham-se mãos!; Refreia-se língua!; não
golpeie, não diga uma palavra. É verdade que esse homem me ataca, essa mulher
me insulta, mas eles são representantes de Deus, que da parte de sua
misericórdia vêm me castigar amistosamente. Não irritemos, pois, sua justiça,
usurpando os direitos de sua vingança. Nem menosprezemos sua misericórdia
resistindo aos amorosos golpes de seus açoites, para que Ele me entregasse, em
vez disso, à justiça absoluta da eternidade."
Por outro lado, Deus em seu infinito poder e sabedoria o
sustenta, enquanto aos outros ele aflige. Com uma mão ele entrega à morte, com
a outra ele dá a vida. Ele o humilha até o pó e depois o eleva, e com ambas
mãos ele alcança uma extremidade de sua vida à oura, com carinho e poder; com
carinho, não lhe permitindo ser tentado além de suas forças, com poder,
apoiando-o com sua graça na proporção à violência e duração da tentação ou
aflição; com poder novamente, por vir dele mesmo, como ele nos conta através de
sua Santa Igreja, "sustentá-lo na beira do precipício, guiá-lo a uma
estrada incerta, ocultá-lo no calor abrasador, protegê-lo na chuva e do frio
que o congela, carregá-lo em seu cansaço, ajudá-lo em suas dificuldades,
fortificá-lo em caminhos escorregadios, ser seu refúgio no meio das tempestades
" (Oração para uma Viagem).
c. As feridas e
sofrimentos de Cristo crucificado
57. Em terceiro lugar, reflitam nas feridas e sofrimentos de
Cristo crucificado. Ele mesmo nos contou, "Ó vós todos, que passais pelo
caminho: olhai e julgai se existe dor igual à dor que me atormenta, a mim que o
Senhor feriu no dia de sua ardente cólera". Vejam com os olhos corporais e
através dos olhos de sua contemplação, se sua pobreza, destituição, desgraça,
aflição, desolação são como as minhas; olhem para mim que sou inocente e lamente
porque vocês são culpados!
O Espírito Santo nos diz, através dos Apóstolos, a
contemplarmos Cristo crucificado. Ele nos manda amarmos com esse pensamento,
arma mais penetrante e terrível contra todos nossos inimigos que todas as
demais armas. Quando vocês são assaltados pela pobreza, má reputação, aflição,
tentação e outras cruzes, armem-se com o escudo, peitoral, capacete e espada de
dois gumes, que é a lembrança de Cristo crucificado. Vocês haverão de encontrar
a solução para todo problema e os meios de conquistar todos seus inimigos.
d. Acima, o céu;
abaixo, o inferno
58. Em quarto lugar, olhe pra cima e veja a bela coroa que
lhe aguarda no céu se você carregar bem sua cruz. Foi essa recompensa que
sustentou os patriarcas e profetas em sua fé e perseguições; que inspirou os
apóstolos e mártires em seus trabalhos e tormentos. Os patriarcas podiam dizer
com Moisés, "Nós preferiríamos ser afligidos como o povo de Deus, e sermos
felizes com Ele para sempre a curtir por um instante os prazeres do
pecado." E os profetas poderiam dizer com David, "Nós sofremos
perseguição pela recompensa." Os apóstolos e mártires poderiam dizer com
São Paulo, "Por nossos sofrimentos como sentenciados à morte, como
espetáculo para o mundo, para os anjos e os homens, somos como lixo e anátema
do mundo, pelo imenso peso de glória que nos produz a momentânea e ligeira
tribulação."
Olhemos para o alto e vemos os anjos, que exclamam,
"Cuidai para não apropriar-se da coroa que está marcada com a cruz que
você recebeu, se você suportá-la bem, um outro irá carregá-la como convém e a
arrebatará consigo. Lute bravamente e sofra pacientemente, nos dizem os santos,
e você receberá o reino eterno." Finalmente, escute ao Nosso Senhor, que
lhe diz, "Eu darei minha recompensa somente aquele que sofre e é vitorioso
pela paciência."
Contemplemos abaixo o lugar onde nós merecemos e que nos
espera no inferno na companhia dos bandidos e todos aqueles que não se
arrependeram, se nós sofrermos como eles sofreram, com sentimentos de
ressentimentos, má vontade e vingança. Exclamemos com Santo Agostinho,
"Senhor, trate como sua vontade nesse mundo por meus pecados, contanto que
os perdoem na eternidade."
Nunca se queixem
das criaturas
59. 12) Nunca se queixe de qualquer pessoa ou coisa que Deus
possa usar para afligi-lo. Há três tipos de queixas que nós podemos fazer em
tempos de sofrimento. A primeira é a natural e espontânea, como quando o corpo
geme e reclama, verte lágrimas e lamentos. Não há falha nisso, desde que, como
eu disse, o coração esteja resignado ao desejo de Deus. O segundo tipo de
queixa é aquele da mente, como quando nós reconhecemos nossas maldades a alguém
que pode nos dar algum alívio, tal como um doutor ou um superior. Poderia haver
alguma imperfeição nisso se nós estivéssemos também ávidos para contar nossos
problemas, mas não há pecado nisso. O terceiro tipo é pecaminoso: quer dizer,
quando nós criticamos nosso semelhante tanto para livrar-se de um mal que nos
aflige ou nos vingarmos dele; ou quando nós nos queixamos deliberadamente do
que nós sofremos com impaciência e resmungos.
Aceite a cruz
unicamente com gratidão
60. 13) Não importa quando você receber
qualquer cruz, receba sempre com humildade e prazer. E quando Deus lhe favorece
com uma cruz de alguma importância, mostre sua gratidão de um modo especial,
peça a outros que façam o mesmo. Siga o exemplo da mulher pobre que havendo
perdido tudo que ela tinha em um pleito injusto – com a única moeda que restava
ofereceu para ter uma Missa em ação de graças pela boa fortuna.
Carregar algumas cruzes
voluntárias
61. 14) Se você quer se tornar
merecedor dos melhores tipos de cruzes, isto é, aquelas que vêm até você sem
escolher, então sob a direção de um diretor prudente, tome algumas delas por
seu próprio consentimento. Por exemplo, suponha que você tenha uma peça de
mobiliário que você seja apreciador, mas que não é de qualquer uso pra você.
Você poderia distribuir a alguém que precisasse disso, dizendo para si,
"Por que eu deveria ter coisas que não preciso quando Jesus é tão pobre?'
Ou se você tiver um desgosto por
um certo tipo de comida, uma aversão a uma prática de alguma virtude
particular, ou um desgosto por algum odor desagradável, poderia pegar a comida,
praticar a virtude, aceitar o odor, e assim conquistar a si mesmo.
Ou novamente, sua ternura por uma
certa pessoa ou coisa talvez seja repugnante. Por que não vê menos essa pessoa
ou se mantém distante dessas coisas que lhes seduzem?
Se você tiver uma inclinação
natural nunca se perca. Vocês têm uma aversão natural a certas pessoas ou coisas?
Então as evite e as domine.
62. Se
em verdade sois verdadeiros Amigos da Cruz, o amor, que é sempre engenhoso,
fará vocês encontrarem milhares de pequenas cruzes para enriquecê-los. E vocês
não precisarão ter qualquer medo de vanglória, que tão freqüentemente corrompe
a paciência que as pessoas exibem sobre cruzes espetaculares. E porque vocês
têm sido fiéis nas coisas pequenas, o Senhor lhes estabelecerá um fardo maior,
de acordo com sua promessa. Isso quer dizer, fardos de maiores graças que ele
lhes proverá, das maiores cruzes que Ele lhes enviará, das maiores glórias que
Ele lhes preparará....
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